Acho que estou a precisar de ir descansar. Vou para o meu quarto,
que sei perfeitamente onde fica.
Lembro-me de outrora ter escrito livros, de ter
falado de bosques.
Agora só tenho no meu quarto
um armário cheio de pequenas gavetas,
fechadas por alguém ou por mim há muito tempo.
Um solitário feixe de luz incide no armário,
parece vir enfeitado de lampadazinhas coloridas,
conhecidas também por colours of the rainbow.
Naquela gaveta poderá estar um perfil de telhados – silhueta trespassada
pelo grande sol frio do fim da tarde.
Lembro-me de outrora ter falado de bosques…
Naquela gaveta poderá estar o espelho longevo
com seu insubstituível reflexo de divisões infantis.
Quatro ou cinco gavetas terão uma praia
que se estende com a luz matinal
a varar as distâncias.
Outras terão as abas dos guarda-sóis
com o som que fazem quando lhes dá o vento.
Tenho um armário com as imagens separadas
que tão a sós não fazem um poema.
A perenidade ao sol
de Françoise a beber o mazagrin
também deve estar em alguma gaveta.
Não faço ideia da gaveta em que estará a tarde
que decorre com esplanadas ao fundo
e onde tudo quanto se move
é descontracção e alegria.
Fátima oferece-me água da Serra da Penha
numa gaveta que exista e que seja secreta.
Em que gaveta estará o menino a lamentar-se aos pais
por o caranguejo que apanhara
já não estar no balde que trazia?
Françoise bebe agora um cocktail, talvez de ginger ale.
Mas não sei em que gaveta. Se bem me recordo, contemplava um soleil couchant,
kitsch, ele também, por sua vez, mas lindo até ao fim do mundo.
A Casa da Meia Distância
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