sexta-feira, 16 de julho de 2010

Quintas de Leitura 20100715 Daniel Maia-Pinto Rodrigues

"Como se chama o lugar onde ficaram os nossos sonhos, quando nós tivemos que sair?"

Depois de mais um projecto sentimental falhado
depois do vizinho de baixo a ter desflorado
Florbela recolheu-se em casa, recuperando a sua essência sadia.
Até que, com o Sol da Primavera, se sentiu mais ela. E um dia
abriu a janela, disposta a arriscar um novo amor.
Não tardou que os seus ouvidos captassem um ranger de telhas:
um pouco desarticulado, ofegante e de faces vermelhas
ia-se-lhe já agarrando às orelhas o desatinado Zé do Telhado.
- Espero que não me considere demasiado apressado, mon Bijou.
Se preferir, veja lá, avalio-lhe esse cu só daqui a um bocado.
UM NOVO ROMANCE de Daniel Maia-Pinto Rodrigues


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Isto não sei a que propósito foi
num outro dia disse-lhe que gostava de pinhões
ai eu de pinhões, disse ela, só gosto dos grandes
daqueles a que se dá o nome de champinhões.


Daniel Maia-Pinto Rodrigues

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Acho que estou a precisar de ir descansar. Vou para o meu quarto,
que sei perfeitamente onde fica.

Lembro-me de outrora ter escrito livros, de ter
falado de bosques.
Agora só tenho no meu quarto
um armário cheio de pequenas gavetas,
fechadas por alguém ou por mim há muito tempo.

Um solitário feixe de luz incide no armário,
parece vir enfeitado de lampadazinhas coloridas,
conhecidas também por colours of the rainbow.
Naquela gaveta poderá estar um perfil de telhados – silhueta trespassada
pelo grande sol frio do fim da tarde.

Lembro-me de outrora ter falado de bosques…
Naquela gaveta poderá estar o espelho longevo
com seu insubstituível reflexo de divisões infantis.

Quatro ou cinco gavetas terão uma praia
que se estende com a luz matinal
a varar as distâncias.

Outras terão as abas dos guarda-sóis
com o som que fazem quando lhes dá o vento.

Tenho um armário com as imagens separadas
que tão a sós não fazem um poema.

A perenidade ao sol
de Françoise a beber o mazagrin
também deve estar em alguma gaveta.

Não faço ideia da gaveta em que estará a tarde
que decorre com esplanadas ao fundo
e onde tudo quanto se move
é descontracção e alegria.

Fátima oferece-me água da Serra da Penha
numa gaveta que exista e que seja secreta.

Em que gaveta estará o menino a lamentar-se aos pais
por o caranguejo que apanhara
já não estar no balde que trazia?

Françoise bebe agora um cocktail, talvez de ginger ale.
Mas não sei em que gaveta. Se bem me recordo, contemplava um soleil couchant,
kitsch, ele também, por sua vez, mas lindo até ao fim do mundo.

A Casa da Meia Distância

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